tempo teimoso

sábado, 27 de outubro de 2007

Ka tem chorada!

Parada no trânsito da manhã. Fila desde a porta de casa. Pára, arranca. Pára e torna a arrancar. Cruzamento. Eu tenho stop, eles têm prioridade e não dão uma abébia, nem daquelas pequeninas que eu de repente faça a furgoneta parecer um mini e já lá estou. Nada. Do lado direito é vê-los passar, olhando de soslaio e com sorrisos sacanas de quem tá a querer dizer que já me tramou. Ouço vozes e penso que já estou a alucinar com a seca da ida à cidade em fim de mês às oito da madrugada. Mas as vozes falam um linguagear conhecido que não condiz com a situação.

Busco-as. Mesmo ali, lado a lado, está uma carrinha assim tipo amarela clara quase bege com dois guardas ou polícias ou tropas no banco da frente, que aliás é o único. Para trás não tem janelas, tem frestas horizontais. É daí que saem as perguntas acerca das classificações do torneio de futsal e chorrilhos de querer saber novidades do bairro que também já é meu.

Tive receio que as minhas respostas dessem castigo mas não me contive e contei-lhes o pouco que ainda deu tempo. Ligaram a sirene e foram. Eu fiquei. Ali. Pasmada.

Não sei quais eles eram mas sei que lá em casa, o coração das mães aperta bué e que à noite, quando só o escuro as ouve choram de medo de os terem perdido para sempre.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

"Agora falamos nós"



As cores, os sons e os cheiros do Outono já cá estavam, sob aquele sol mais que morno, baixo e molengão. Hoje chegou a chuva. Cheira a terra molhada, as moscas andam assim meio gaseadas, a passarada chilreia muito e banha-se nas poças e já posso calçar as botas e chapinhar por aí com a maltosa.

Na sexta-feira passada aconteceu um encontro de jovens em Oeiras. Chamou-se "Agora falamos nós". E falaram bué. Os do palco e os da plateia. Houve alturas em que foi assim uma espécie de terapia colectiva. Muitos deles verbalizaram pela primeira vez o que lhes apertou o coração, os punhos e o resto todo anos a fio. As maldades que lhes têm e continuam tantas vezes a fazer, os abraços e os mimos que não lhes deram, as partidas muitas que a vida lhes tem pregado fizeram parte do seu discurso directo ao longo de todo o dia. Atitude. Não sei se conheço adultos alguns que de tal fossem capazes. Quando crescemos parece às vezes perdemos o coração e outras partes que nos dão a coragem da frontalidade, mesmo quando negra.

Não fui mãe menina nem menina perdi mãe nem pai, não cresci num bairro de barracas nem numa instituição, nunca senti na pele a discriminação nem a pobreza mas com vocês todos, com quem tenho crescido como mulher, confrontei-me com essas verdades. Tenho plena consciência do quão duras têm sido as vossas e muitas outras vidas. Acredito que é possível quase tudo mudar. Sei que não depende apenas da nossa vontade e do nosso esforço. Nós somos que nem a "Velha Xica" que não fala política. Os outros, os que falam é que têm o mundo praticamente na mão. Nós temos a liberdade de os escolher, é um facto. O que acontece é que não raras vezes escolhemos os menos maus de entre uma multidão de corja.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Luz ?



Maria da Luz é mulher de muita madrugada comprando e vendendo peixe fresco. Vai deixando olhos de espreita nas esquinas, que lhe bradarão sussurros à passagem da carrinha dos ditos. Disfarça enrolando o avental e correndo as cortinas de chita nas janelas da carrinha. Pesa a olho ou mais ou menos conforme o que conhece da freguesa. Amanha às pressas o besugo que as mãos encarquilhadas da Armindinha já não seriam capazes enquanto vai explicando à Professora Josefa os preparos do atum para a rijura ficar no ponto.

Acha que não sabe ler. Pára nos cruzamentos e junta as letras sílaba a sílaba, formando os nomes das terras que lhe ditam o caminho da venda. Era assim que via os filhos fazerem quando eram pequenos e brincavam aos jogos de palavras.

É encartada e guia qual Fitipaldi. Escutou as lições de código com a maior atenção mas não percebia o português do professor. Foi à Praça de Espanha e comprou aparelho com pilhas e fios de ligar aos ouvidos. Os filhos contaram às cassettes os sinais e as regras de trânsito que ela precisava saber e Maria da Luz, sorridente, ouvia-os todo o dia, ruas afora. Na data marcada para o exame oral foi confiante. Não errou uma e, no final, recebeu parabéns, admiração e abraços de todos os três examinadores.

Hoje encontrei-a Maria do Escuro. Chorava de preocupação. Farta de andar fugida de câmara que não dá licença nunca mais. Farta de ser enganada por confiar em letrados. Farta de pagar impostos que nem sabe o que são. Farta de acreditar nos melhores dias que não chegam. Farta de ouvir todos os dias na televisão senhores chiques e de palavras finas a dizerem esperanças que são todas mentira.

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terça-feira, 16 de outubro de 2007

Levanta-te contra a pobreza!



Faz a diferença!

Dia 17 de Outubro levanta-te contra a pobreza!

www.pobrezazero.org

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segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Liberdade



Manhã cedo, praia deserta. Caminhei muito, salpicando-me de mar.
Depois, estendi-me na areia, ainda fria e húmida da madrugada e adormeci.
Acordei horas depois, já com sol de mais de meio-dia.
Mais livre, mais feliz, mais forte.

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domingo, 14 de outubro de 2007

Ser grande não é muito fixe


Li hoje um texto bonito que fala de escudos, de muros e de armaduras para almas e corações.

Eu quase não queria saber que as almas e os corações precisavam desses apetrechos. Mas é verdade que precisam. A gente chega e abre a porta, os braços, o sorriso, e todas as partes melhores de nós todos e sente mesmo que é anja. Ou anjo conforme o género. Parvos mesmo é o que somos.

Quando se lida com gente grande, pessoas já crescidas, é preciso olhos mesmo no corpo inteiro. E armaduras e escudos também. Tou acostumada com gente pequena que abraça, briga, beija e amua de verdade. Sem rasteiras nem palavras nas entrelinhas. Eles nem sabem o que são entrelinhas...

sábado, 13 de outubro de 2007

Amar-te ...



Sábado à tarde. Sol morno de Outono. Rádio Marginal, 98.30 mais ou menos. Peter Cincotti soa em "Sway". Parámos o carro. Saímos ambos. Entrelaçamo-nos muito abraçados e rodopiamos pela calçada, dançando. É bom voltar a amar-te!

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40 anos ...



"Sonha e serás livre de espírito. Luta e serás livre na vida."

Che Guevara

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quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Vavá



Vává é nome de casa. Nome verdadeiro não interessa mesmo. Só na escola quando porta mal, que é todos os dias e mais nos outros em que lá nem vai.

Vavá tem brilho no olho. E tristeza também. Salta e pula, canta e grita numa animação desmedida de coisa nenhuma. Cansa todos e a ela também.

Tem pressa de viver plo tempo que já tiraram. À força levaram menina. Lei mandou. Assim foi.

Mal parida, mal amada, mal nutrida, mal levada, bem disposta. Mal amada.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Rony, meu querido

Nem sei se foi golo.
Recebeste a bola, ias ao remate e catrapum. Chão. O pivot voou sobre ti, aterrou sobre a tua cabeça. Estouro surdo na madeira do pavimento. Baque dentro do meu peito de quase mãe.

Os minutos seguintes foram longos demais. A ambulância tardou a chegar. O polícia tardou a deixar-me chegar a ti. Ouço ainda os teus gritos de dor. E o silêncio de quando não estavas. Ias e vinhas. Vinhas e ias. Pelo telefone chegava o desespero da mãe que vinha a caminho. Louca de dor.

Beijei-te. Queria ter a certeza que ainda cá estavas. A tua mãe chegou. Louca de sofrimento. Só acreditou que ainda te tinha quando, lá na reanimação, te sentiu o calor e te ouviu o respirar.

Não faz mal que não te lembres de tanto.
Estamos todos aqui para te lembrar as coisas boas.
E as outras também...