tempo teimoso

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Luz ?



Maria da Luz é mulher de muita madrugada comprando e vendendo peixe fresco. Vai deixando olhos de espreita nas esquinas, que lhe bradarão sussurros à passagem da carrinha dos ditos. Disfarça enrolando o avental e correndo as cortinas de chita nas janelas da carrinha. Pesa a olho ou mais ou menos conforme o que conhece da freguesa. Amanha às pressas o besugo que as mãos encarquilhadas da Armindinha já não seriam capazes enquanto vai explicando à Professora Josefa os preparos do atum para a rijura ficar no ponto.

Acha que não sabe ler. Pára nos cruzamentos e junta as letras sílaba a sílaba, formando os nomes das terras que lhe ditam o caminho da venda. Era assim que via os filhos fazerem quando eram pequenos e brincavam aos jogos de palavras.

É encartada e guia qual Fitipaldi. Escutou as lições de código com a maior atenção mas não percebia o português do professor. Foi à Praça de Espanha e comprou aparelho com pilhas e fios de ligar aos ouvidos. Os filhos contaram às cassettes os sinais e as regras de trânsito que ela precisava saber e Maria da Luz, sorridente, ouvia-os todo o dia, ruas afora. Na data marcada para o exame oral foi confiante. Não errou uma e, no final, recebeu parabéns, admiração e abraços de todos os três examinadores.

Hoje encontrei-a Maria do Escuro. Chorava de preocupação. Farta de andar fugida de câmara que não dá licença nunca mais. Farta de ser enganada por confiar em letrados. Farta de pagar impostos que nem sabe o que são. Farta de acreditar nos melhores dias que não chegam. Farta de ouvir todos os dias na televisão senhores chiques e de palavras finas a dizerem esperanças que são todas mentira.

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