tempo teimoso

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Extremos

Amar ou largar. Gargalhar. Ir. Lutar.

E sempre acreditar. Acho até no impossível de alcançar.
Se amo perdidamente cego de paixão. Sou mel. A noite acende-se em mim.
Mas o dia fica breu se o incêndio esmorece. Sou fel.
Ainda não aprendi a tolerar o meio termo, o assim-assim, a indecisão, o silêncio, o fingir que não viu nem ouviu, o 3 da escala de 1 a 5 que o entrevistador sugere ao telefone. Agonia-me, irrita-me, mete-me nojo.

Posso até não escolher nenhum dos trastes sugeridos para o Governo mas vou lá mostrar o meu descontentamento votando em branco. Sei que não ganho mais nada além de descarregar a minha raiva mas não hesito em utilizar o livro de reclamações quando considero ser necessário. Faço por dar palmadas nas costas e aplaudir as vitórias merecidas, jamais esqueço quem comigo fez caminho e sempre tudo farei para estar onde e ao lado de quem possa ser útil.

Custa-me quando te magoo mas a falta de “pica” põe-me fora de mim.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

D. Revolução

Eram oito e pouco da manhã. O portão de ferro da entrada não estava escancarado. A criançada não brincava no recreio da frente. Nem no de trás. A menina Clotilde avisava assim quase sorrateiramente todos os que iam chegando:

"- Vai pra casa piqueno que a D. Revolução chegou esta noite".

Também voltei. De caminho, fui espreitando os burros do vizinho Seromenho, a mercearia do Joaquim Guilherme, a venda da Bia e metendo conversa com o Manel dos Pincels que, empoleirado na sua velha escada de madeira caiava as varandinhas da Porta dos Quartos.

- Atão menina, o Senhor Professor caiu da cadeira ou foi a senhora dele que teve menino?

- Diz que a D. Revolução tá na escola ...

fui dizendo, enquanto amarinhava escadas acima, abrindo rasgão no engomado bibe branco e pintalgando as tranças já tão meio à banda.

A minha avó espreitou do postigo:

- E quem é que vem a ser essa da D. Revolução?
- Eu cá acho que deve ser ...

E nem fui a tempo de dizer "inspectora". A minha avó já bradava lá de cima que a magana que tinha acabado com bibe tão bem costurado bem se podia ir preparando para escrever vinte cinco linhas de "A bata da escola é branca de neve, sem nódoas nem buracos".

Depois, no meio do alvoroço do pessoal, das cantorias, dos soldados que sairam do quartel sem ser a marchar, do coro de "O povo unido jamais será vencido" a minha avó esqueceu-se do castigo e tratou de mandar chamar o Manel dos Pincels para vazar, limpar e caiar a cisterna, não fosse o diabo tecê-las, o tempo voltar pra trás e a família precisar dum lugar seguro para se esconder não sabia de quem.


Na folha de vinte e cinco linhas só escrevi:

Lagos, 25 de Abril de 1974

sexta-feira, 21 de março de 2008

Bia


É Bia. É ela. Nome de mulher. Fêmea que já foi. Quem sabe se volta a ser.

Bia. Cedo de mais desposou. Cedo de mais amou. Cedo de se mais s´entregou. Toda. Por inteiro. De si nada sobrou.

Bia alegre e giraça. Fazia parar a praça e despertava desejo. Com o tempo, os ombros cairam, o brilho fugiu e a solidão chegou. Bia no tempo parou.

Bia é gaja rija. Que amamenta. Que acalenta. Que trabalha. Que cozinha. Que labuta. Bia é gaja de luta.

Sonha à noite, no frio de cama nua. Sonha com afago, com elogio inventado, com piropo, com desvario, com flor roubada, com colar de guita, com vestido de chita e roda de dança. No sonho, roda, ri, rodopia. Acorda e suspira. É tudo mentira. Não passa de esperança.

Bia. Mulher. Mal amada.

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quinta-feira, 13 de março de 2008

Pai ...

Eram duas e meia da manhã. O telefone de casa tocou. A estas horas da madrugada os telefones só tocam por má nova. Do outro lado a mãe chorava, falava rápido, atropelando palavras, pedindo urgência na ida. A mãe nunca pede nada, muito menos de madrugada. A mãe nunca fala rápido, ainda por cima quando devia estar a dormir. A mãe nem é de chorar...

Enganou-me. Ou não. Não me disse que estavas morto mas não me deu qualquer esperança de vida. Acho nem ela ainda tinha certezas. Contou-me do filme que tinham visto noite dentro, duma brincadeira de almofadas pra lá e pra cá e duma má disposição que não esperou pelo famoso chá de louro da avó Naicinha.

Foram os trezentos quilómetros mais longos de sempre. Estava frio, muito frio. Os miúdos enroscados uns nos outros, soluçando entre mantas.

A mãe ia ligando, de quando em quando, pedindo ordem na condução e calma e coragem e aqueles cuidados todos que ela sempre tem, mesmo quando a hora é de desespero.
Parecia um filme que não era nosso. Faltavam lá as tuas graças e as tuas lágrimas. Sempre as tiveste faceis. As graças e as lágrimas.

Entre tantas coisas, deixaste-nos a tua forma carinhosa de amar. Não é que seja relevante, mas também herdamos uma boa dose da tua teimosia...

Foi há um ano. A mãe chega hoje. Vem passar o dia connosco.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Viver

Viver é ter capacidade de amar, de bem acolher, de ouvir e também de aceitar colo e abraços e beijos em tempo de amargura. Viver é rir e chorar. Às vezes é um piscar de olho. Uma cotovelada manhosa. Um grito na vitória. O desânimo na derrota.

Viver é adormecer e acordar de novo, de volta à luta.

Viver é todos os dias. Aqui e ali. Lá e cá. Juntos. Disponíveis. De braços abertos para receber. De mãos estendidas para dar. Os olhos bem acesos. As mentes bem despertas. Sonhando com os pés postos no chão. Sem ocultar erros, injustiças, maldade.

O mundo não é cor-de-rosa. Viver é vê-lo de todas as cores!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Marés ...


Led Zeppelin, "Stairway to heaven"

Tem dias parece quase podia voar por aí nem uma libélula tonta, curvando e contracurvando uma gambiarra esquecida num alpendre de traseiras.

Tem horas parece deixei um pé esquecido numa sapata de betão e que nem tu viesses eu ia querer abalar.

O mar vem, vai , volta, torna a ir, nem eu sonhando. Sem saber quando lá ou quando cá. Deixo-me ir, assim, que nem chuva cai do céu, desce ribeiro, e vai vai até uma praia, de encontro ao mar.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O tempo

"O tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo responde ao tempo que tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem."

Ao meu tempo não sobra tempo para tempo a mim me dar. A mim não me sobra tempo para a mim me dedicar. Inda não me dediquei sobre esse tempo pensar. Se sou eu que fujo dele para não me apanhar. Tantas vezes o parar faz saber o que é a dor. Acho ainda desconsigo reclamar por amor. Mas tempo há-de ainda vir que por mim há-de bradar. E eu sem tempo para ir por a mim me estar a dar.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Natal todos dias!

Agora no fim de Dezembro
Quando já quase é Natal
Parece que todos são fixes
Parece o mundo NEM TEM MAL!
Todo o pobre está quentinho
Tem comida e até presente
Mas bem antes do Carnaval
Rapa o frio, já tem fome
É enxotado. É DIFERENTE!
O people devia saber
Que isto do verbo ajudar
Não tem dia nem tem hora
É preciso é EDUCAR
Dizer à malta toda
Que recebem e que dão
Que caridade e peninha
Não são mesmo a salvação
O que vale é estar presente
Trabalhar acreditando
Que o mundo vai melhorar
E o nosso contributo VALE TANTO!
A consciência limpar
De pouco serve ou de nada
O Natal já vai passar
Vamos continuar a cravar
A melgar
A reclamar
A ACREDITAR
E tu, não pensas fazer nada?


Beijos gordos da são

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

No rasto do Verão

Tantas vezes perco o rumo e fico sem saber de mim. Em que vidas estou. Tem vezes nem mesmo sei onde pára a realidade e se este meu mundo existe ou se é tudo de faz de conta.

Quase sei que quase nada vale viver de ideais e de boas intenções. Fugi de mim ou de ti, já nem sei. Se calhar fugi do Inverno, acreditando que, correndo depressa, apanharia a quentura do estio. Ou não.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Tckeka em "agonia"

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Novembro, Novembro, ...

Parece o ano nunca mais chega ao fim e dá oportunidade a novos dias e a meses de cara lavada.

Parece tudo quiz acontecer neste 2007 .

Do bom e do mau.

Gente querida partiu sem avisar e malta nova chegou sem ser esperada. Saltámos e pulámos de alegria em batalhas ganhas e gritámos e chorámos por derrotas não merecidas.

Em todos os dias vestimos a camisola em que acreditamos. Mesmo quando o calor sufocava.

Tem dias que quase acho não vale a pena. A charrua é demasiado pesada. A água não cai do céu. Lentamente, a seara vai despontando. Aqui e ali. E murchando também. Ali e aqui. O capim vem. A trovoada passa trazendo aguaceiro. A seara volta. Mais viçosa. Mais forte também.

Obrigada mana. Só assim haverá pão amanhãs!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Momentos



Desci à terra quando percebi que já restavam poucos e que a todos o caranguejo tinha feito das suas. Não queria, nem quero ser a próxima. Segui o conselho de quem bem me quer. Meti-me no comboio e rumei à cidade.

Voltar ao IPO era castigo maior. Sai muito cedo para cedo lá chegar mas perdi a coragem ao fim de meia dúzia de quilómetros. Voltei, estacionei a furgoneta, comprei bilhete de Alfa ou Intercidades, não interessa qual e estendi-me no banco.

Despedi-me da minha Meia-Praia chorando silenciosamente. Passei Portimão, Tunes, Funcheira e não sei mais. Em Entrecampos as portas abriram e fui. Andando.

Era Primavera e chovia muito. O céu e eu choviamos juntos, passo a passo, avenida de berna fora, sem sombrinha, sem casaco, sem companhia, com medo, com raiva, com muita dôr.

Foi difícil passar os portões por onde já tanto tinha entrado levando esperanças de que nada serviram.

Num banco chorava. Passei. Chorando também. Passaram horas. Voltei. A chuva continuava a cair. Ela continuava lá, chorando, molhada. Nem sei se mais de lágrimas se mais de chuva. Encontramo-nos num abraço fugido, assim meio a medo. Depois ficámos por lá, falando, horas e horas. Sem tempo ...

sábado, 27 de outubro de 2007

Ka tem chorada!

Parada no trânsito da manhã. Fila desde a porta de casa. Pára, arranca. Pára e torna a arrancar. Cruzamento. Eu tenho stop, eles têm prioridade e não dão uma abébia, nem daquelas pequeninas que eu de repente faça a furgoneta parecer um mini e já lá estou. Nada. Do lado direito é vê-los passar, olhando de soslaio e com sorrisos sacanas de quem tá a querer dizer que já me tramou. Ouço vozes e penso que já estou a alucinar com a seca da ida à cidade em fim de mês às oito da madrugada. Mas as vozes falam um linguagear conhecido que não condiz com a situação.

Busco-as. Mesmo ali, lado a lado, está uma carrinha assim tipo amarela clara quase bege com dois guardas ou polícias ou tropas no banco da frente, que aliás é o único. Para trás não tem janelas, tem frestas horizontais. É daí que saem as perguntas acerca das classificações do torneio de futsal e chorrilhos de querer saber novidades do bairro que também já é meu.

Tive receio que as minhas respostas dessem castigo mas não me contive e contei-lhes o pouco que ainda deu tempo. Ligaram a sirene e foram. Eu fiquei. Ali. Pasmada.

Não sei quais eles eram mas sei que lá em casa, o coração das mães aperta bué e que à noite, quando só o escuro as ouve choram de medo de os terem perdido para sempre.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

"Agora falamos nós"



As cores, os sons e os cheiros do Outono já cá estavam, sob aquele sol mais que morno, baixo e molengão. Hoje chegou a chuva. Cheira a terra molhada, as moscas andam assim meio gaseadas, a passarada chilreia muito e banha-se nas poças e já posso calçar as botas e chapinhar por aí com a maltosa.

Na sexta-feira passada aconteceu um encontro de jovens em Oeiras. Chamou-se "Agora falamos nós". E falaram bué. Os do palco e os da plateia. Houve alturas em que foi assim uma espécie de terapia colectiva. Muitos deles verbalizaram pela primeira vez o que lhes apertou o coração, os punhos e o resto todo anos a fio. As maldades que lhes têm e continuam tantas vezes a fazer, os abraços e os mimos que não lhes deram, as partidas muitas que a vida lhes tem pregado fizeram parte do seu discurso directo ao longo de todo o dia. Atitude. Não sei se conheço adultos alguns que de tal fossem capazes. Quando crescemos parece às vezes perdemos o coração e outras partes que nos dão a coragem da frontalidade, mesmo quando negra.

Não fui mãe menina nem menina perdi mãe nem pai, não cresci num bairro de barracas nem numa instituição, nunca senti na pele a discriminação nem a pobreza mas com vocês todos, com quem tenho crescido como mulher, confrontei-me com essas verdades. Tenho plena consciência do quão duras têm sido as vossas e muitas outras vidas. Acredito que é possível quase tudo mudar. Sei que não depende apenas da nossa vontade e do nosso esforço. Nós somos que nem a "Velha Xica" que não fala política. Os outros, os que falam é que têm o mundo praticamente na mão. Nós temos a liberdade de os escolher, é um facto. O que acontece é que não raras vezes escolhemos os menos maus de entre uma multidão de corja.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Luz ?



Maria da Luz é mulher de muita madrugada comprando e vendendo peixe fresco. Vai deixando olhos de espreita nas esquinas, que lhe bradarão sussurros à passagem da carrinha dos ditos. Disfarça enrolando o avental e correndo as cortinas de chita nas janelas da carrinha. Pesa a olho ou mais ou menos conforme o que conhece da freguesa. Amanha às pressas o besugo que as mãos encarquilhadas da Armindinha já não seriam capazes enquanto vai explicando à Professora Josefa os preparos do atum para a rijura ficar no ponto.

Acha que não sabe ler. Pára nos cruzamentos e junta as letras sílaba a sílaba, formando os nomes das terras que lhe ditam o caminho da venda. Era assim que via os filhos fazerem quando eram pequenos e brincavam aos jogos de palavras.

É encartada e guia qual Fitipaldi. Escutou as lições de código com a maior atenção mas não percebia o português do professor. Foi à Praça de Espanha e comprou aparelho com pilhas e fios de ligar aos ouvidos. Os filhos contaram às cassettes os sinais e as regras de trânsito que ela precisava saber e Maria da Luz, sorridente, ouvia-os todo o dia, ruas afora. Na data marcada para o exame oral foi confiante. Não errou uma e, no final, recebeu parabéns, admiração e abraços de todos os três examinadores.

Hoje encontrei-a Maria do Escuro. Chorava de preocupação. Farta de andar fugida de câmara que não dá licença nunca mais. Farta de ser enganada por confiar em letrados. Farta de pagar impostos que nem sabe o que são. Farta de acreditar nos melhores dias que não chegam. Farta de ouvir todos os dias na televisão senhores chiques e de palavras finas a dizerem esperanças que são todas mentira.

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